*
Em pouco tempo o Leão abre os olhos,
bocejando. Ainda meio grog por passar longo tempo entre as flores, respirando
seu venenoso perfume, acha esquisito estar dentro de uma carroça.
- Gente, o que aconteceu? – pergunta.
- Você quase partiu dessa para uma
melhor!... – brinca o Espantalho.
O felino ainda zonzo:
- Puxa!... Corri o mais rápido que pude,
mas não deu.
- Foi por pouco – completa Dorothy.
- Como salvaram minha vida?
- Aí, criatura, é outra história –
acresce o Homem de Lata.
- Aposto que contrataram um elefante
para me arrastar até aqui?
Todos acham graça. Dorothy então conta para
o Leão a história dos ratos silvestres. Ele não aguenta e desata a rir, mal
acreditando:
- Que coisa, hein!... Flores
aparentemente inofensivas como essas papoulas quase me mataram!... Animais minúsculos como os ratos me salvaram a
vida!...
- Isso mesmo. De onde menos se espera,
acontece – observa o Espantalho, rindo.
Dorothy faz um sinal com a mão, insinuando
que já era hora de partir.
- O papo está bom, pessoal, mas é tempo
de continuarmos nossa viagem. A estrada de pedras amarelas não deve estar muito
longe daqui. Vamos?
Em pouco tempo, sãos e salvos, os cinco
amigos andavam no caminho para a Cidade das Esmeraldas, cada um mais
esperançoso do que o outro. A estrada, naquele trecho, era bem pavimentada e a
paisagem mais bonita.
Por todo canto, existiam sítios com
casinhas pintadas de verde e pés de roseiras enfeitando a varanda. Às vezes, algum
curioso aparecia na janela para admirar os caminheiros, mas, ao ver o Leão,
voltava correndo para dentro da casa. Todos os habitantes do lugar usavam
roupas e chapéus pontudos, também verdes.
Dorothy, radiante:
- Ufa!... Pelo que estou vendo, aposto
que estamos perto da Cidade das Esmeraldas.
- Podemos perguntar alguém de uma dessas
casas – sugere o Homem de Lata.
Os outros companheiros concordam e fazem
sim com a cabeça. Depois de andarem um pouco mais, Dorothy bate à porta da sede
de uma chácara. Uma mulher entreabre a porta, olha para todos com má vontade e
pergunta:
- O que deseja, garota?
- Caso permita, gostaríamos de passar a
noite aqui.
- O Leão também?
- Claro. É um animal bom, não ataca
ninguém.
- Então é manso? – indaga a mulher,
dando outra olhadela no felino.
- Muito.
- Já que é assim, podem entrar.
- Obrigado, minha senhora, pode confiar
em mim – agradece o Leão, rindo.
- Entrem – repete a mulher, mais
aliviada. – Vocês terão algo para comer e um lugar aconchegante para dormir,
posso garantir.
Na casa, também morava um homem que
estava deitado no sofá com uma perna enfaixada, ao lado de duas crianças. Eles
surpreendem-se ao ver Dorothy com seu estranho grupo de viajantes. O moço abre
um sorriso discreto, e dispara a fazer perguntas:
- Para onde estão indo?
- Para a Cidade das Esmeraldas –
responde Dorothy.
- Fazer o quê?
- Vamos falar com o Mágico de Oz.
- Acha que Oz, o Grande, vai receber vocês?
- E por que não?
O homem, espreguiçando-se:
- Ele é sistemático, não recebe ninguém.
Não conheço uma criatura que já falou com Oz.
O boneco com cara de assustado:
- Por quê?
- Não sei. Como disse: se entrevistou
com alguém algum dia, é uma história de gente que pouca gente conta.
- Ele nunca sai?
- Jamais. Passa os
dias no grande Salão do Trono de seu Palácio.
Dorothy, curiosa:
- E como é ele?
- Impossível dizer – reponde o homem,
pensativo. Nem mesmo os criados do seu palácio conhecem o rosto dele de
verdade.
- Como assim?
-
Sendo mágico, toma qualquer forma que quiser. Aparece como pássaro, ou
elefante. Há quem diga que é mais parecido com um gato. Mas, pode
transformar-se numa linda mulher, num gênio, ou num duende.
O homem, depois de uma pausa, conclui:
- Posso afirmar que nenhuma pessoa viva
pode dizer qual a verdadeira face de Oz.
- Muito estranho mesmo!... – encabula-se
Dorothy.
- Estranho?
– É, sim, senhor. Mas, temos que ver Oz
de qualquer modo.
- Por quê?
- Eu quero um cérebro – adianta o
Espantalho.
- Ah, isso é muito fácil. O mágico tem
inteligência para dar e vender.
O Homem de Lata adianta um passo,
revelando:
- Eu quero um coração.
- Isso também é fácil para o Grande Oz.
O que se conta na região é que ele possui um grande estoque de corações de
todos os tamanhos e formas imagináveis, guardados no seu palácio.
O Leão Medroso, até então calado, fala
do seu desejo:
- E eu preciso de coragem. Muita
coragem.
O homem acha graça e ri alto:
- Coragem?!... Ah, dos pedidos é o mais
fácil para Oz. Pelo que sei, ele é dono de potes e mais potes de coragem.
Portanto, bicho, se for recebido por ele, vai lhe encher de coragem. Pode crer.
Dorothy, toda satisfeita, interveio:
- Eu quero voltar para o Kansas.
O homem, ainda rindo.
- Onde fica o Kansas?
- Não sei dizer. Mas é lá que eu e Totó nascemos
e moramos.
- Não se preocupe, Oz é capaz de tudo,
pode fazer qualquer coisa. E você, que
pretende? – pergunta o homem ao cachorro.
Totó apenas balança o rabo, não sabia
falar. Nesse momento, a mulher avisa que o jantar estava servido. Cada um, de
olho na comida, assegura um bom lugar à mesa, menos o Espantalho e o Homem de
Lata.
Dorothy saboreia uma sopa de aveia e um
bom prato de ovos mexidos com chouriço. Comida que não provava há dias, dando-lhe
a sensação de estar na casa de Tia Ema. Satisfeita, elogia:
- Minha senhora, uma delícia seu jantar!
O Leão, limpando os bigodes dos pingos
da sopa:
- Hummm, o chouriço desceu muito bem,
bastante gostoso!
Totó satisfeito da vida devorava tudo
que era servido. Após a farta refeição, a dona da casa conduz os hóspedes aos
aposentos, acende a lamparina de azeite e deseja-lhes boas-noites. Cansados
dormem logo.
Ao raiar do dia, a turma desperta cheia
de ânimo. Dorothy, Totó e o Leão tomam um lanche reforçado servido pela
hospedeira. Depois, de malas prontas para pegar a estrada, todos agradecem a
hospedagem ao casal e, juntos, retomam a caminhada.
- Tomara que dessa
vez seja diferente, sem aborrecimentos – expressa o Leão, caminhando com o rabo
entre as pernas.
Por volta do meio dia, ao longe um
clarão esverdeado no céu chama a atenção dos viajantes. Dorothy, surpresa:
- Será a Cidade das Esmeraldas?
- Talvez – responde o Homem de Lata.
Na medida em que avançavam pela estrada
de pedras amarelas, o brilho ficava mais intenso. Por fim, avistaram a alta
muralha circulando a grande área urbana. Animados, apressam o passo. Poucos
minutos mais tarde, chegam a um grande portão, todo cravejado de esmeraldas,
tão brilhantes que até os olhos desenhados do Espantalho se ofuscaram. Dorothy imediatamente
toca a sineta presa no portal. De repente, um anão de pele esverdeada aparece e
pergunta com cara de pouca conversa:
- O que desejam na Cidade das Esmeraldas?
- Ver o Grande Oz – adianta Dorothy.
O homenzinho, sem dizer nada, senta-se
num tamborete ao lado do portão. Fazendo caras e bocas, examina um a um dos
viajantes. Minutos depois, ele fala numa voz firme:
- Se vieram aqui para fazer pedidos, fiquem
sabendo que o Grande Oz não admite rogativa fútil. Se enfurecer, é capaz de
destruir qualquer um com um piscar de olhos.
- Tudo que vamos solicitar a ele é
importante – assegura o Espantalho.
– Ouvimos falar que é um mágico bondoso
– reforça Dorothy.
O homenzinho balança a cabeça,
afirmando:
-
Realmente. Governa a Cidade das Esmeraldas com sabedoria, competência e
bondade. Mas, com os desonestos ou curiosos, Oz é muito severo.
- Errou feio, cara!... Não somos
curiosos, nem desonestos – ruge o Leão Medroso.
Assustado, o Guardião dos Portões abre
um pequeno sorriso e muda o tom do seu discurso:
- Muito bem, pedem para ver o Grande Oz,
então devo conduzi-los ao Palácio. Antes precisam colocar os óculos de lentes
verdes.
Dorothy, sem entender:
- Óculos!... Por quê?
- É assim que se entra aqui. São especiais.
- Que história mais estranha, meu Deus?
- Sem eles, o esplendor da Cidade poderá
cegá-los para sempre.
De uma caixa verde com vários óculos de
lentes verdes, o homenzinho tira um par para cada visitante. E oferece a todos
com uma fita verde para prendê-lo em torno do pescoço.
- Parece uma cidade como qualquer outra,
mas não é uma cidade como qualquer outra – justifica o Guardião, ameaçando
sorrir.
Depois de ver Dorothy e seus amigos usando
as lentes especiais, ele abre outra grande porta, e todos, quase mortos de
curiosidades, passam a caminhar pelas admiráveis ruas da Cidade das Esmeraldas.
* FBN© - 2013 – O Guardião dos Portões –
Cap 10 de O MÁGICO DE OZ – Adaptação
livre do original, editado no ano de 1900, por: Welington Almeida Pinto - Categoria:
Prosa Infanto-Juvenil – Texto original em português - IIustr.: Imagens da
Internet Link: http://omagicodeoz.blogspot.com.br/2005/03/o-guarda-do-porto.html
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