Total Pageviews

Monday, March 28, 2005

03-III - DE COMO DOROTHY SALVA UM ESPANTALHO

*
Cândido Portinari
 
O Espantalho, óleo sobre tela.
 



Dorothy sente fome. Abre o guarda-comida, escolhe uma fatia de pão e oferece outra a Totó. Pega o balde e caminha para o riacho em busca de água para tomar banho. Totó segue atrás, latindo, perseguindo os pássaros e os micos de várias espécies. Na volta, Dorothy colhe algumas frutas gostosas para comer durante a viagem.
Depois do banho, põe o vestidinho xadrez de azul e branco, embora o azul estivesse desbotado ainda era bonito. Ajeita na cabeça o chapéu cor-de-rosa de abas largas, calça os sapatos de prata e acomoda nos braços a cestinha com a merenda, protegida por um guardanapo branco.
Antes de sair, vira-se para o cachorro, murmurando:
- Ti AmuUuuUu! Agora vamos, meu anjo da guarda.
Totó olha para ela com os olhinhos pretos e balança a cauda como se tivesse entendido tudo. Dorothy continua, rindo:
- Sei que é um cão inteligente e sabe que uma estrada de mil léguas começa por um passo. Então, vamos à Cidade das Esmeraldas perguntar ao Grande Oz como poderemos regressar ao Kansas.
Outra vez Totó abana o rabo. A menina tranca a porta e, com o cachorro todo saliente a seu lado, deixa o receio de lado e coloca o pé na estrada, começando a longa jornada pelo caminho de pedrinhas amarelas.
O sol brilhava naquela manhã de primavera. Seus raios, filtrados pelas folhagens das árvores, deitavam reflexos de cristais no leito da estrada. Aqui e ali, muitos pássaros cantavam alegremente.
Na medida em que avançava, Dorothy surpreendia-se com as grandes áreas plantadas de milho e trigo, separadas por cercas pintadas de azul. Quando passava em frente de uma casa, os moradores corriam à porta para cumprimentá-la, sabendo que a menina tinha sido a libertadora, embora involuntária, do seu povo. As casas eram quase sempre iguais, de forma redonda e uma grande cúpula por teto, igual uma casquinha de sorvete de cabeça para baixo – o povo acreditava que nas quinas ficavam alojados os maus espíritos. Pintadas de azul eram circuladas por um jardim com pés de Cestrum Nocturnum, a popular Dama-da-Noite, o xodó dos moradores da região.
Ao entardecer Dorothy chega a uma morada que estava promovendo uma grande festa. No pátio, homens e mulheres dançavam ao som de violinos tocados por cinco músicos. Lá dentro, em torno de uma grande mesa outros anões comiam frutos, bolos e doces, que saltavam aos olhos. Era a casa da família Boq, que comemorava a derrota da Bruxa Malvada do Leste.
Dorothy foi bem recebida pelos donos da casa. Convidada a cear, devora tudo que pode. Totó, também. Depois, senta-se num banco ao lado de Boq, que não tirava os olhos dos sapatinhos de prata que calçava.
- Obrigada pela comida – agradece Dorothy.
- Isso não é nada, querida. Você deve ser uma grande Bruxa?
- Por quê?
- Por três motivos: usa sapatos prateados, matou a Bruxa Malvada do Leste e tem a cor branca no vestido. Somente bruxas e feiticeiras se vestem de branco.
- Meu vestido é listrado de azul e branco.
Boq, esfregando as mãos:
- Gentileza de sua parte. O azul é a cor predileta dos anões. O branco, das Bruxas. Então, você é Bruxa amiga de nossa gente.
Dorothy, sem saber o que dizer, cala-se. Totó, depois de engolir outro prato de torta de maçã, se enrosca nas suas pernas como gato manhoso, sacudindo o rabo, sem parar. Ficam ali observando a festa. Mais tarde, ao sentir sono, a dona da casa leva a menina e o cãozinho para dormir no quarto de hóspedes. Na manhã seguinte, depois do café, Dorothy pergunta a Boq:
- A Cidade das Esmeraldas é muito longe daqui?
- Nunca estive lá, mas sei que é uma longa caminhada. Terá de atravessar desertos e regiões perigosas, através de uma estrada rica em mitos, lendas e muitas histórias.
Dorothy, demonstrando coragem, logo deixa a casa dos anões e continua a viagem com Totó. Depois de percorrer um bom trecho do caminho, resolve descansar. Escolhe um lugar sossegado e se acomoda no alto do mourão de uma cerca para admirar a paisagem de forma panorâmica. Na sua frente, suspenso numa vara não tão comprida, observa um espantalho que estava ali com a missão de proteger dos passarinhos a imensa planície de lavoura de milho, repartida em quadras verde-claros e verde-escuros, que recordavam a toalha feita de remendos para forrar a mesa de refeição da casa de tia Ema.
Com uma expressão distraída no rosto, segurando Totó no colo, Dorothy imaginava mil coisas a respeito daquele boneco de terno azul e um velho chapéu bicudo na cabeça. Tanto que, num momento, percebeu que a simpática figura havia piscado. Minutos depois, abana a cabeça como se estivesse saudando alguém. Totó também atento, rosna. Logo o cão escapa de seus braços e começa a correr em torno espantalho, abanando a cauda e latindo nervoso.
- Bom dia. Cãozinho esperto que você tem – brinca o Espantalho, com voz rouca.
- Totó está assustado, nunca viu um boneco assim – explica Dorothy, aproximando-se do espantalho.
- Claro.
- Nem eu.
- Não importa. Qual sua graça, menina?
- Graça?...
- Ora, me desculpe, deve ser uma forasteira. Seu nome, por favor?
- Dorothy. E o seu?
- Ainda não tenho. Pode me chamar de espantalho mesmo.
- Ótimo. O que tem para me dizer, Espantalho?
- Que não é nada divertido passar dias e noites, espetado aqui em cima, só para espantar os pássaros.
- Por que não desce daí?
- Háháhá!... Não posso. A não ser que me desprenda dessa vara.
- Será que dou conta?
- Claro que sim. Sou feito de palha e pano velho. Não peso quase nada.
Dorothy levanta os dois braços e tira a estranha e divertida criatura da estaca, colocando-a de pé ao seu lado.
- Você é mesmo muito leve. Precisa ter cuidado com os ventos – ressalta a menina.
- Isso é verdade. Bem, muito obrigado!
- Nem precisa agradecer.
- Agora, sinto-me outro homem – confessa o Espantalho, ajeitando o chapéu na cabeça.
- Legal.
Pausa. O boneco:
- Está perdida?
- Vou à Cidade das Esmeraldas pedir ajuda ao Grande Oz para voltar ao Kansas.
- Cidade das Esmeraldas?...  Grande Oz?
- Uai!... Você não sabe?
- Nada sei dessa vida. Não tenho cérebro, portanto não posso memorizar.
- Oh!... Sinto muito! – comove-se Dorothy.
- Quem sabe o Grande Oz também me ajuda. Possuir palha no lugar dos miolos... Ah, me faz sentir um tolo.
- Pode ser. Quer viajar comigo?
- Viajaria com um estranho?
- Você não é mais um estranho para mim.
Pausa. O Espantalho:
- Aprecio a sorte que começa a sorrir para mim. Tudo vai se acertar, claro.
- Então, vamos para a Cidade das Esmeraldas.
Totó, de início, não gosta muito da nova companhia, late sem parar em volta do boneco. Dorothy caçoa para tranquilizar o companheiro:
- Não ligue, ele está morrendo de ciúmes. Cachorro que ladra, não morde.
O Espantalho solta uma risada:
- Se quiser, pode morder. Por ser feito de palha, suporto até beliscão doído.
E depois de uma pausa:
- Advinha, Dorothy, qual a coisa do que tenho mais medo no mundo?
- Já sei!... Do fazendeiro, seu dono - responde Dorothy, rápido.
- Errou. De um fósforo aceso.
Os dois riram. De repente, Totó empina o rabo e para diante de uma moita de capim, farejando e agitando a cauda com insistência.
- Que foi, Totó? – grita Dorothy, caminhando em sua direção.
No fundo da touceira, tremendo de medo, encolhia-se um filhote de passarinho ainda mal empenado, feiozinho, e com os olhos de moleque espantado.
- Vem depressa, Espantalho. Aqui tem um passarinho perdido.
- Deve ser Bem-te-vi!...
- Pode ser. Depressa, temos de encontrar o ninho dele.
O Espantalho olha para cima e aponta um dos braços para uma árvore em frente, dizendo:
- Fica no alto dessa árvore. Passei a tarde assistindo o casal de pássaros tratar dos filhotes.
- Então, me ajude a salvar o bichinho.
Imediatamente, o Espantalho sobe na árvore, levando o filhote numa das mãos. Deixa o passarinho no ninho, desce e elogia a nova amiga:
- Tem o coração bom e a alma pura, menina! Seremos amigos para sempre.
Alegres, os três tomam o rumo da Cidade das Esmeraldas pela estrada de pedras amarelas. Dorothy estava feliz por ter encontrado um companheiro de viagem. Agora tinha alguém para conversar e trocar ideias pelo caminho, enquanto respirava as exalações suaves das flores do campo e sentia no rosto o doce afago dos sopros da manhã.
 

* FBN© - 2013 – De como Dorothy Salva um Espantalho  – Cap. 03 de O MÁGICO DE OZ – Adaptação livre do original por: Welington Almeida Pinto - Categoria: Prosa Infanto-Juvenil – Texto original em português - IIustr.: Óleo sobre tela de Portinari  – Link: http://omagicodeoz.blogspot.com.br/2005/03/de-como-dorothy-salva-um-espantalho.html

                                                                     -  03 -
 

No comments: