Dorothy sente fome. Abre o guarda-comida,
escolhe uma fatia de pão e oferece outra a Totó. Pega o balde e caminha para o
riacho em busca de água para tomar banho. Totó segue atrás, latindo,
perseguindo os pássaros e os micos de várias espécies. Na volta, Dorothy colhe
algumas frutas gostosas para comer durante a viagem.
Depois do banho, põe o vestidinho xadrez
de azul e branco, embora o azul estivesse desbotado ainda era bonito. Ajeita na
cabeça o chapéu cor-de-rosa de abas largas, calça os sapatos de prata e acomoda
nos braços a cestinha com a merenda, protegida por um guardanapo branco.
Antes de sair, vira-se para o cachorro, murmurando:
- Ti AmuUuuUu! Agora vamos, meu anjo da guarda.
Totó olha para ela com os olhinhos
pretos e balança a cauda como se tivesse entendido tudo. Dorothy continua,
rindo:
- Sei que é um cão inteligente e sabe
que uma estrada de mil léguas começa por um passo. Então, vamos à Cidade das
Esmeraldas perguntar ao Grande Oz como poderemos regressar ao Kansas.
Outra vez Totó abana o rabo. A menina
tranca a porta e, com o cachorro todo saliente a seu lado, deixa o receio de
lado e coloca o pé na estrada, começando a longa jornada pelo caminho de
pedrinhas amarelas.
O sol brilhava naquela manhã de
primavera. Seus raios, filtrados pelas folhagens das árvores, deitavam reflexos
de cristais no leito da estrada. Aqui e ali, muitos pássaros cantavam
alegremente.
Na medida em que avançava, Dorothy
surpreendia-se com as grandes áreas plantadas de milho e trigo, separadas por
cercas pintadas de azul. Quando passava em frente de uma casa, os moradores
corriam à porta para cumprimentá-la, sabendo que a menina tinha sido a
libertadora, embora involuntária, do seu povo. As casas eram quase sempre
iguais, de forma redonda e uma grande cúpula por teto, igual uma casquinha de
sorvete de cabeça para baixo – o povo acreditava que nas quinas ficavam
alojados os maus espíritos. Pintadas de azul eram circuladas por um jardim com pés de Cestrum Nocturnum, a popular Dama-da-Noite,
o xodó dos moradores da região.
Ao entardecer Dorothy chega a uma morada
que estava promovendo uma grande festa. No pátio, homens e mulheres dançavam ao
som de violinos tocados por cinco músicos. Lá dentro, em torno de uma grande
mesa outros anões comiam frutos, bolos e doces, que saltavam aos olhos. Era a
casa da família Boq, que comemorava a derrota da Bruxa Malvada do Leste.
Dorothy foi bem recebida pelos donos da
casa. Convidada a cear, devora tudo que pode. Totó, também. Depois, senta-se
num banco ao lado de Boq, que não tirava os olhos dos sapatinhos de prata que
calçava.
- Obrigada pela comida – agradece
Dorothy.
- Isso não é nada, querida. Você deve
ser uma grande Bruxa?
- Por quê?
- Por três motivos: usa sapatos
prateados, matou a Bruxa Malvada do Leste e tem a cor branca no vestido.
Somente bruxas e feiticeiras se vestem de branco.
- Meu vestido é listrado de azul e
branco.
Boq, esfregando as mãos:
- Gentileza de sua parte. O azul é a cor
predileta dos anões. O branco, das Bruxas. Então, você é Bruxa amiga de nossa
gente.
Dorothy, sem saber o que dizer, cala-se.
Totó, depois de engolir outro prato de torta de maçã, se enrosca nas suas
pernas como gato manhoso, sacudindo o rabo, sem parar. Ficam ali observando a
festa. Mais tarde, ao sentir sono, a dona da casa leva a menina e o cãozinho
para dormir no quarto de hóspedes. Na manhã seguinte, depois do café, Dorothy
pergunta a Boq:
- A Cidade das Esmeraldas é muito longe
daqui?
- Nunca estive lá, mas sei que é uma
longa caminhada. Terá de atravessar desertos e regiões perigosas, através de
uma estrada rica em mitos, lendas e muitas histórias.
Dorothy, demonstrando coragem, logo deixa
a casa dos anões e continua a viagem com Totó. Depois de percorrer um bom
trecho do caminho, resolve descansar. Escolhe um lugar sossegado e se acomoda no
alto do mourão de uma cerca para admirar a paisagem de forma panorâmica. Na sua
frente, suspenso numa vara não tão comprida, observa um espantalho que estava
ali com a missão de proteger dos passarinhos a imensa planície de lavoura de
milho, repartida em quadras verde-claros e verde-escuros, que recordavam a toalha
feita de remendos para forrar a mesa de refeição da casa de tia Ema.
Com uma expressão distraída no rosto,
segurando Totó no colo, Dorothy imaginava mil coisas a respeito daquele boneco
de terno azul e um velho chapéu bicudo na cabeça. Tanto que, num momento,
percebeu que a simpática figura havia piscado. Minutos depois, abana a cabeça
como se estivesse saudando alguém. Totó também atento, rosna. Logo o cão escapa
de seus braços e começa a correr em torno espantalho, abanando a cauda e
latindo nervoso.
- Bom dia. Cãozinho esperto que você tem
– brinca o Espantalho, com voz rouca.
- Totó está assustado, nunca viu um
boneco assim – explica Dorothy, aproximando-se do espantalho.
- Claro.
- Nem eu.
- Não importa. Qual sua graça, menina?
- Graça?...
- Ora, me desculpe, deve ser uma
forasteira. Seu nome, por favor?
- Dorothy. E o seu?
- Ainda não tenho. Pode me chamar de
espantalho mesmo.
- Ótimo. O que tem para me dizer,
Espantalho?
- Que não é nada divertido passar dias e
noites, espetado aqui em cima, só para espantar os pássaros.
- Por que não desce daí?
- Háháhá!... Não posso. A não ser que me
desprenda dessa vara.
- Será que dou conta?
- Claro que sim. Sou feito de palha e
pano velho. Não peso quase nada.
Dorothy levanta os dois braços e tira a
estranha e divertida criatura da estaca, colocando-a de pé ao seu lado.
- Você é mesmo muito leve. Precisa ter
cuidado com os ventos – ressalta a menina.
- Isso é verdade. Bem, muito obrigado!
- Nem precisa agradecer.
- Agora, sinto-me outro homem – confessa
o Espantalho, ajeitando o chapéu na cabeça.
- Legal.
Pausa. O boneco:
- Está perdida?
- Vou à Cidade das Esmeraldas pedir
ajuda ao Grande Oz para voltar ao Kansas.
- Cidade das Esmeraldas?... Grande Oz?
- Uai!... Você não sabe?
- Nada sei dessa vida. Não tenho cérebro,
portanto não posso memorizar.
- Oh!... Sinto muito! – comove-se
Dorothy.
- Quem sabe o Grande Oz também me ajuda.
Possuir palha no lugar dos miolos... Ah, me faz sentir um tolo.
- Pode ser. Quer viajar comigo?
- Viajaria com um estranho?
- Você não é mais um estranho para mim.
Pausa. O Espantalho:
- Aprecio a sorte que começa a sorrir
para mim. Tudo vai se acertar, claro.
- Então, vamos para a Cidade das
Esmeraldas.
Totó, de início, não gosta muito da nova
companhia, late sem parar em volta do boneco. Dorothy caçoa para tranquilizar o
companheiro:
- Não ligue, ele está morrendo de
ciúmes. Cachorro que ladra, não morde.
O Espantalho solta uma risada:
- Se quiser, pode morder. Por ser feito
de palha, suporto até beliscão doído.
E depois de uma pausa:
- Advinha, Dorothy, qual a coisa do que
tenho mais medo no mundo?
- Já sei!... Do fazendeiro, seu dono -
responde Dorothy, rápido.
- Errou. De um fósforo aceso.
Os dois riram. De repente, Totó empina o
rabo e para diante de uma moita de capim, farejando e agitando a cauda com
insistência.
- Que foi, Totó? – grita Dorothy,
caminhando em sua direção.
No fundo da touceira, tremendo de medo,
encolhia-se um filhote de passarinho ainda mal empenado, feiozinho, e com os
olhos de moleque espantado.
- Vem depressa, Espantalho. Aqui tem um
passarinho perdido.
- Deve ser Bem-te-vi!...
- Pode ser. Depressa, temos de encontrar
o ninho dele.
O Espantalho olha para cima e aponta um
dos braços para uma árvore em frente, dizendo:
- Fica no alto dessa árvore. Passei a
tarde assistindo o casal de pássaros tratar dos filhotes.
- Então, me ajude a salvar o bichinho.
Imediatamente, o Espantalho sobe na
árvore, levando o filhote numa das mãos. Deixa o passarinho no ninho, desce e
elogia a nova amiga:
- Tem o coração bom e a alma pura,
menina! Seremos amigos para sempre.
Alegres, os três tomam o rumo da Cidade
das Esmeraldas pela estrada de pedras amarelas. Dorothy estava feliz por ter
encontrado um companheiro de viagem. Agora tinha alguém para conversar e trocar
ideias pelo caminho, enquanto respirava as exalações suaves das flores do campo
e sentia no rosto o doce afago dos sopros da manhã.