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Monday, March 28, 2005

* OBRA-PRIMA DA LITERATURA INFANTIL

*
O Mágico de Oz

*
 
A primeira Capa do Livro, lançado em 1900





Judy Garland
Versão original da Metro - YouTube
The Wonderful Wizard of Oz
 

 




O

MÁGICO DE OZ

 

O Mágico de Oz, lançado em 1900 foi um livro inovador, editado com 24 cores cujas matizes mudavam de acordo com o lugar da história. Por exemplo, Kansas: cinza. Cidade das Esmeraldas: verde. E mais: as vinhetas ilustrativas entravam na área do texto. Para a época a formatação representava um avanço fabuloso no avanço do designer gráfico.

 

No final do século XIX, escritores e produtores de livros infantis da Europa e Estados Unidos da América, lideraram um movimento propondo histórias menos violentas e sanguinárias para o universo infantil. Para eles, livros de história eram para divertir, entreter e levar a criança à reflexão em um encontro de culturas diferentes, unidas pela literatura. Duendes, gênios e fadas já não despertavam tanto interesse no universo infantil.

O escritor norte-americano Lyman Baum também pensava assim. Tanto que, em maio de 1900, lança o primeiro grande romance da literatura de fantasia norte-americana: O Mágico de Oz, com nova abordagem e nova linguagem. Ilustrado por W.W. Denslow, a obra logo ganhou fama em todo o planeta, empolgando crianças de todas as idades, através das fabulosas aventuras de Dorothy e seu cachorrinho.

O êxito foi tanto que, em 1902, Lyman produziu em Chicago um musical inspirado nas aventuras de seu livro. Outro sucesso. Em pouco tempo foi convidado para interpretar o espetáculo nos palcos da Broadway, o maior centro teatral de Nova Iorque.

Em 1925 o Mágico de Oz virou filme. Mudo, mas estrelado por Oliver Hardy, da dupla o Gordo e o Magro, como o Homem de Lata. Mais tarde, em 1939, a Metro fez boa adaptação para a tela grande do musical, destacando seu elenco com a impecável atuação de Judy Garland. O filme ainda é considerado o mais visto de todos os tempos no cinema e na televisão, registrando mais de um bilhão de espectadores. O público? O público tem a idade do encantamento, o som do riso e da emoção que desperta no espectador.

Doce, divertida e com muita aventura, existe mesmo uma força especial na obra de Lyman. Para sentir e viver as peripécias dessa mocinha de 12 anos vire a página e viaje com Dorothy e seus companheiros, pela surpreendente estrada de pedras amarelas, numa aventura recontada com a exuberância da natureza brasileira. Não se trata apenas de uma tradução ou de adaptação, mas de uma tentativa de oferecer ao texto clássico a dimensão de atualizada, mais de um século depois.

Platão defendia a existência de certas ideias inatas. Já Aristóteles acreditava que nada na mente independia do mundo externo, percebido pelos sentidos. Lyman focou um pouco dos dois. Em O Mágico de Oz, o escritor norte americano mostra que criatividade no campo das letras não tem limites.

Quando a gente lê um livro alguma coisa muda dentro. Leia sempre e seja feliz.

 

 

Welington Almeida Pinto

* A escrita foi a primeira memória artificial do mundo, inventada pelos chineses para guardar dados e histórias, que nenhuma memória natural pode reter.




 

* 01/I - O CICLONE

*
Ciclone
 
Imagem: Internet




 
DOROTHY Gale vivia feliz com os tios, Henry e Ema, no coração do território do Kansas, nos Estados Unidos. A casa, feita de madeira, tinha apenas um cômodo grande. Dentro, um velho fogão a carvão, um guarda-comida, uma mesa, quatro tamboretes, a cama de casal e um estrado para Dorothy. Não havia uma flor, um ornato. O único livro era a velha Bíblia. Numa das paredes, o retrato de Tia Ema ao lado do marido, tirado no dia do casamento. Acinzentado pela ação do tempo, mas ainda dava a ideia de como eram jovens e belos. Com dezoito anos, ela prendia entre os dedos um pequeno buquê de flores campestres.
Tia Ema envelhecera em pouco tempo. Com o sol e o vento castigando seu rosto perdeu o rubor dos lábios e das faces, a pele acinzentou-se. Os cabelos, que eram arruivados, ficaram brancos. Sempre enrolados sobre a nuca, presos por um antigo pente de tartaruga. Quando Dorothy foi morar no Kansas, levou muito tempo para se acostumar com a jovialidade da sobrinha, mas desde o início admirava a menina por ser tão alegre em lugar tão triste, tão cinza.
Como também mostra a fotografia, tio Henry era bem apessoado nos seus vinte anos, o rosto liso e, pegado ao nariz, apenas um bigodinho ralo. Ocorridos 50 anos, transformou-se num senhor pesado, sobrancelhudo e barbudo que passava o dia fumando um cigarrinho de palha, continuamente preso entre os dentes. Vestido com um surrado macacão de lona, que só tirava para lavar, assim como as botas de couro, sujas de tanto pelejar no estábulo, tinha orgulho de morar no Kansas.
Dorothy tinha doze anos. Mocinha de pele clara e olhos de um azul polar encantador. Os cabelos, amarelos como cachos de trigo, feitos em duas longas tranças eram a paixão da tia Ema. Forte e cheia, ela vivia apertada num vestido puído de chita. Sua única diversão era brincar com Totó, um cãozinho bastante alegre, sempre ao seu lado.
Na casa, não havia sótão nem porão. Só um enorme buraco cavado no chão, onde a família se abrigava durante os furacões. Um buraco anticiclones, como dizia tio Henry. Para se esconder ali, desciam pelo alçapão num canto do cômodo.
Em torno da morada, destacava a extensa campina acinzentada, coberta por relva com as extremidades de suas hastes torradas pelo sol. Nada de árvores, nada de verde, tudo muito árido. Nenhuma vila, nem mesmo uma casa vizinha. Tudo era cinzento, inclusive a casa de tio Henry. Pintada há tempos de branco, tornou-se cinzenta e melancólica, como tudo em volta.
Certo dia, o céu amanheceu carregado, mais cinza. O vento arrastava ondas de capim para todos os lados, um barulho ensurdecedor. Tio Henry, sentado na soleira da porta estava a horas examinando o mau tempo. Em pé, ao seu lado, Dorothy com o Totó nos braços, também olhava o céu, enquanto tia Ema, lá na pia, lavava louças. De repente, tio Henry levanta-se e observa:
- Mau sinal, gente, vejam a cólera dos deuses! Como essas coisas da natureza não têm hora para acontece, acho que vem aí um ciclone – e virando-se para a mulher - Ema, tome conta da garota que vou cuidar dos bichos.
O velho corre para o curral, já berrando pelo nome os animais. Tia Ema, assustada com a violência do vento, larga o trabalho, e desce para o esconderijo, gritando:
- Dorothy!... Dorothy!... Depressa, menina, corra para cá.
Totó escapa dos braços de Dorothy e se esconde debaixo da cama. A menina tenta agarrá-lo, suplicando:
- Totó, venha cá. Depressa, seu maluquinho!
Quando Dorothy finalmente segura o cachorro e seguia em direção ao abrigo, uma rajada de vento abala tudo com violência, mal dando para aguentar. A casa desprende-se do chão, rodopia duas vezes no ar e, como um balão, começa a voar.
- Trem mais esquisito! – murmura a menina, quase morrendo de medo.
Dorothy sem saber como agir, acha melhor ficar quietinha num canto da casa. Totó latia feito doido correndo sem parar de um lado para o outro. Passava tão perto da portinhola aberta para o sótão que, de repente, foi tragado pelo vento para fora da casa.
A menina entra em desespero. Chora e grita pelo cão, imaginando que pouco ou nada poderia fazer pelo amigo. Mas, logo se anima ao avistar as orelhas de Totó aparecendo e desaparecendo na boca do alçapão - a forte pressão do vento fazia o corpo do animal flutuar. Imediatamente, limpa as lágrimas com a costa das mãos, engatinha-se até ele, pega firme em suas orelhas e puxa-o para dentro de sua casa flutuante. Feliz, aperta o cão no colo e pula para a cama, pensando ser um lugar mais seguro para viajarem em condições misteriosas, sozinhos mundo afora.
- Que susto, hein?
Agarradinha a Totó acaba adormecendo, apesar do balanço da casa e do barulho do vento.
 
 
 
 

 

* 02/II - O PAPO COM OS ANÕES

*
W. W. Denslow
 

 
Totó era originalmente um cão Cairn Terrier



 
Desperta Dorothy com o choque da casa pousando no solo, tão brusco e repentino. Não fosse a maciez do colchão, teria se machucado. Totó, que dormia esparramado ao longo do leito, salta para o assoalho latindo.
- Psiuuu! – expressa Dorothy, meio espantada.
Senta-se na cama, desconfiada. Mas logo fica encantada com um risco de luz do sol, entrando pela fresta da janela. Pula para o chão. Abre a porta e depara com uma bela paisagem na sua frente.
- Meu deus, é o paraíso!... Ai, nem acredito no que estou vendo.
Era mesmo uma visão maravilhosa diante dos seus olhos!... Logo na porta de casa descia um pomar de dar água na boca, produzindo laranjas, goiabas, pêssegos e jabuticabas. Abaixo, reluzia um riacho sereno, cortando extenso campo florido. Um sonho!... Dorothy, acostumada com a planície seca, desértica e cinzenta do Kansas, se deslumbra com o colorido das flores, o canto dos pássaros e o sussurro melodioso das águas do regato.
Enquanto admirava a beleza do lugar, avista quatro anões que vinham ao seu encontro. Totó começa a latir. Dorothy ralha com ele:
- Psiu!... Quieto, amor.
O cão obedece e fica da porta, com os olhinhos pretos bem atentos, espreitando aquela gente esquisita: três velhos e uma mulher de cabelos grisalhos, trajando uma túnica estampada com estrelinhas que faiscavam ao sol. Todos usavam chapéus redondos terminando em bico, com mais de trinta centímetros acima da cabeça. Dependurados nas abas, um monte de sininhos que tilintavam ao menor movimento.
Sorrindo, a mulher faz reverência a Dorothy:
- Bem-vinda à Terra dos Anões, ilustre Bruxa!
Dorothy assustada, dá dois passos atrás.
- Aham! O quê?!...
- Não se acanhe. Parabéns por ter acabado com a Bruxa Malvada do Leste. Seu gesto de coragem libertou nosso povo da escravidão.
A garota, ainda sem entender:
- Eu!... Deve haver engano, minha senhora. Nunca matei nem um mosquitinho de nada!
- Não há engano nenhum.
- Juro. Não matei ninguém. Nem sou Bruxa.
- Bem, se não foi você, foi sua casa. Dá no mesmo.
A velha anã insiste:
- Veja, existem dois pés aparecendo por baixo daquela viga que sustenta a casa.
Dorothy arredonda os olhos de espanto.
- Santo Deus!... Quem é?
- A Bruxa Malvada do Leste – repete a mulher.
- Trem esquisito!... Não tenho culpa, foi um acidente. A casa caiu em cima da coitada. Mas...
- Não se preocupe. Ela era má. Dominou os anões por longos anos. Livres, querem agradecer a você.
- Quem são eles?
- Os habitantes desse lugar.
- A Senhora é a rainha deles?
- Não, apenas amiga. Ao saber da morte da Bruxa Malvada do Leste, corri para cá. Sou a Bruxa do Norte.
- Bruxa!... Bruxa de verdade?
- Sim. Mas, sou uma Bruxa boa. O povo me adora.
- Se é boa não é bruxa, é uma Fada.
- Prefere me chamar assim?
- Ã-hã.
- Sou pouco menos poderosa do que a Bruxa Malvada, que acaba de morrer. Agora, existe apenas uma Bruxa má na Terra de Oz.
- Sério?
- Sério.
- Cadê a outra? – quis saber Dorothy.
- Vive muito longe daqui. É a Bruxa Malvada do Oeste.
- Ela é tão má assim?
- Nem lhe conto!
- Quantas Bruxas boas ainda existem por aqui?
- Duas. A Bruxa do Norte e a do Sul.
- Que bom que você é uma delas.
- Sim – responde a outra com uma pitada de orgulho.
Dorothy pensa um pouco e revela:
- Engraçado!... Tia Ema sempre me disse que as bruxas más morreram há muito tempo.
- Quem é tia Ema?
- Mora no Kansas, o lugar de onde venho.
- É uma terra civilizada?
- Sim, senhora
- Ah, então é por isso!... Nos lugares civilizados não há mais bruxas, nem fadas. Muito menos mágicos, ou feiticeiras.
- Mágico eu garanto que tem – se apressa a menina.
- Aposto que não são verdadeiros. Mágicos de circo são mágicos de mentirinha, só para enganar.
- É?
- No Reino de Oz, sim, ainda há bruxas e mágicos de verdade. Oz é o mais poderoso de todos. Habita a Cidade das Esmeraldas.
Dorothy ia fazer uma pergunta, quando um dos anões grita e aponta o dedo para a casa.
- O que foi? – apressa a Bruxa, curiosa.
- A Bruxa Malvada do Leste desapareceu – mostra o homenzinho.
A Bruxa do Norte dá uma gargalhada:
- Coitada!... Era tão velha que logo se evaporou no ar. Ficou apenas seu par de sapatos de prata.
Assim falando, ela caminha até a Bruxa morta. Recolhe os calçados, sopra a poeira e os entrega a Dorothy, dizendo:
- Agora, minha pequena, eles são seus. Podem ser úteis um dia.
- São poderosos, viu? – interveio um dos Anões.
A garota agradece o presente e leva os sapatos de prata para dentro da casa. Retorna num instante e pergunta:
- Podem me ajudar a encontrar o caminho de volta para casa? Tia Ema e tio Henry, sozinhos no mundo, devem estar preocupados comigo.
Os anões e a Bruxa entreolham-se, balançando negativamente a cabeça. Um deles garante:
- Impossível atravessar o deserto pelo leste.
- A mesma coisa acontece no sul – alerta o outro.
- Ao norte fica minha região – explica a Bruxa. O deserto é tão grande e quente que impede qualquer um de chegar ao outro lado.
- Meu Deus!...
- A oeste, também não dá. A Bruxa malvada faria de você escrava para sempre – previne o terceiro anão.
Pausa. Bruxa do Norte:
- Você poderia viver com a gente – sugere a Bruxa, rindo.
- Não posso, preciso voltar ao Kansas – lamenta a menina.
- Então por que veio parar aqui?
- Conhecer lugares, pessoas e culturas são alguns bons motivos para se planejar uma viagem, mas não foi o meu caso. Estou aqui por força de um ciclone que me arrancou do lugar que eu morava e me trouxe para cá com o Totó.
      - Entendo.
       Dorothy, como se atingida por um novo ciclone, começa a soluçar com medo de não poder voltar para casa. Suas lágrimas comovem os anões.
- Não chore, garota – pede um deles em tom de consolo. - Acho que a Bruxa do Norte pode ajudá-la. Adora tanto as crianças que, em nossa cidade, quando passa pelas ruas nossos filhos correm para ela. Gostam de receber o carinho de suas mãos macias e ouvir de seus lábios historinhas encantadoras do mundo encantado das bruxas.
A Bruxa bondosa, também comovida, começa a andar de um lado para o outro com as mãos entrelaçadas atrás das costas. De repente, para. Puxa a ponta do chapéu para junto do nariz e começa a contar:
- Um!... Dois!... Três!...
Surpreendentemente seu chapéu vira um quadro negro. Onde se lê:
 
MOSTRE A DOROTHY O CAMINHO DA CIDADE DAS ESMERALDAS
 
A Bruxa retira o quadro do nariz. E pergunta:
- Seu nome é Dorothy?
- Sim – confirma a menina, enxugando as lágrimas com a manga do vestido.
- O Mágico de Oz pode ajudar você a voltar para casa.
- Quem é mesmo Oz?
- Um mágico poderoso, o rei da Cidade das Esmeraldas.
- Como posso chegar lá?
- Caminhando por aquela estrada pavimentada de pedras amarelas – mostra a Bruxa.
- A senhora vai comigo?
- Não, não posso. Mas, vou protegê-la. Fique tranquila. Ninguém lhe fará mal.
- O caminho é perigoso?
- Um pouco. Mas...
A Bruxa toma Dorothy pelos braços e dá-lhe um beijo, deixando a marca redonda e cintilante na sua testa. E ensina:  
- Quando encontrar Oz não tenha medo nem banque a boba. Conte-lhe a sua história e peça ajuda. Boa sorte! Adeus, querida!
Mal acaba de falar, rodopia três vezes sobre o pé esquerdo e desaparece no espaço. Os três anões se despedem também, saindo em disparada. Totó late bem alto. Dorothy acha normal a bruxa desaparecer daquele jeito. Nas historinhas isso acontece.
E, por um momento, pensa lá com seus botões: desembarcar só com o Totó, em um lugar tão estranho, parece à primeira vista, um pesadelo. Mas, pelo que estou vendo, pode ser uma aventura fantástica!... Quantas surpresas podem ter até chegarmos à Cidade das Esmeraldas?











* FBN© - 2013 – O Papo com os Anões – Cap. 02 de O MÁGICO DE OZ – Adaptação livre do original por: Welington Almeida Pinto - Categoria: Prosa Infanto-Juvenil – Texto original em português - IIustr.: Capa de edição do século XX – Link: http://omagicodeoz.blogspot.com.br/2005/03/o-papo-com-os-anes.html
                                            - 02 –

03-III - DE COMO DOROTHY SALVA UM ESPANTALHO

*
Cândido Portinari
 
O Espantalho, óleo sobre tela.
 



Dorothy sente fome. Abre o guarda-comida, escolhe uma fatia de pão e oferece outra a Totó. Pega o balde e caminha para o riacho em busca de água para tomar banho. Totó segue atrás, latindo, perseguindo os pássaros e os micos de várias espécies. Na volta, Dorothy colhe algumas frutas gostosas para comer durante a viagem.
Depois do banho, põe o vestidinho xadrez de azul e branco, embora o azul estivesse desbotado ainda era bonito. Ajeita na cabeça o chapéu cor-de-rosa de abas largas, calça os sapatos de prata e acomoda nos braços a cestinha com a merenda, protegida por um guardanapo branco.
Antes de sair, vira-se para o cachorro, murmurando:
- Ti AmuUuuUu! Agora vamos, meu anjo da guarda.
Totó olha para ela com os olhinhos pretos e balança a cauda como se tivesse entendido tudo. Dorothy continua, rindo:
- Sei que é um cão inteligente e sabe que uma estrada de mil léguas começa por um passo. Então, vamos à Cidade das Esmeraldas perguntar ao Grande Oz como poderemos regressar ao Kansas.
Outra vez Totó abana o rabo. A menina tranca a porta e, com o cachorro todo saliente a seu lado, deixa o receio de lado e coloca o pé na estrada, começando a longa jornada pelo caminho de pedrinhas amarelas.
O sol brilhava naquela manhã de primavera. Seus raios, filtrados pelas folhagens das árvores, deitavam reflexos de cristais no leito da estrada. Aqui e ali, muitos pássaros cantavam alegremente.
Na medida em que avançava, Dorothy surpreendia-se com as grandes áreas plantadas de milho e trigo, separadas por cercas pintadas de azul. Quando passava em frente de uma casa, os moradores corriam à porta para cumprimentá-la, sabendo que a menina tinha sido a libertadora, embora involuntária, do seu povo. As casas eram quase sempre iguais, de forma redonda e uma grande cúpula por teto, igual uma casquinha de sorvete de cabeça para baixo – o povo acreditava que nas quinas ficavam alojados os maus espíritos. Pintadas de azul eram circuladas por um jardim com pés de Cestrum Nocturnum, a popular Dama-da-Noite, o xodó dos moradores da região.
Ao entardecer Dorothy chega a uma morada que estava promovendo uma grande festa. No pátio, homens e mulheres dançavam ao som de violinos tocados por cinco músicos. Lá dentro, em torno de uma grande mesa outros anões comiam frutos, bolos e doces, que saltavam aos olhos. Era a casa da família Boq, que comemorava a derrota da Bruxa Malvada do Leste.
Dorothy foi bem recebida pelos donos da casa. Convidada a cear, devora tudo que pode. Totó, também. Depois, senta-se num banco ao lado de Boq, que não tirava os olhos dos sapatinhos de prata que calçava.
- Obrigada pela comida – agradece Dorothy.
- Isso não é nada, querida. Você deve ser uma grande Bruxa?
- Por quê?
- Por três motivos: usa sapatos prateados, matou a Bruxa Malvada do Leste e tem a cor branca no vestido. Somente bruxas e feiticeiras se vestem de branco.
- Meu vestido é listrado de azul e branco.
Boq, esfregando as mãos:
- Gentileza de sua parte. O azul é a cor predileta dos anões. O branco, das Bruxas. Então, você é Bruxa amiga de nossa gente.
Dorothy, sem saber o que dizer, cala-se. Totó, depois de engolir outro prato de torta de maçã, se enrosca nas suas pernas como gato manhoso, sacudindo o rabo, sem parar. Ficam ali observando a festa. Mais tarde, ao sentir sono, a dona da casa leva a menina e o cãozinho para dormir no quarto de hóspedes. Na manhã seguinte, depois do café, Dorothy pergunta a Boq:
- A Cidade das Esmeraldas é muito longe daqui?
- Nunca estive lá, mas sei que é uma longa caminhada. Terá de atravessar desertos e regiões perigosas, através de uma estrada rica em mitos, lendas e muitas histórias.
Dorothy, demonstrando coragem, logo deixa a casa dos anões e continua a viagem com Totó. Depois de percorrer um bom trecho do caminho, resolve descansar. Escolhe um lugar sossegado e se acomoda no alto do mourão de uma cerca para admirar a paisagem de forma panorâmica. Na sua frente, suspenso numa vara não tão comprida, observa um espantalho que estava ali com a missão de proteger dos passarinhos a imensa planície de lavoura de milho, repartida em quadras verde-claros e verde-escuros, que recordavam a toalha feita de remendos para forrar a mesa de refeição da casa de tia Ema.
Com uma expressão distraída no rosto, segurando Totó no colo, Dorothy imaginava mil coisas a respeito daquele boneco de terno azul e um velho chapéu bicudo na cabeça. Tanto que, num momento, percebeu que a simpática figura havia piscado. Minutos depois, abana a cabeça como se estivesse saudando alguém. Totó também atento, rosna. Logo o cão escapa de seus braços e começa a correr em torno espantalho, abanando a cauda e latindo nervoso.
- Bom dia. Cãozinho esperto que você tem – brinca o Espantalho, com voz rouca.
- Totó está assustado, nunca viu um boneco assim – explica Dorothy, aproximando-se do espantalho.
- Claro.
- Nem eu.
- Não importa. Qual sua graça, menina?
- Graça?...
- Ora, me desculpe, deve ser uma forasteira. Seu nome, por favor?
- Dorothy. E o seu?
- Ainda não tenho. Pode me chamar de espantalho mesmo.
- Ótimo. O que tem para me dizer, Espantalho?
- Que não é nada divertido passar dias e noites, espetado aqui em cima, só para espantar os pássaros.
- Por que não desce daí?
- Háháhá!... Não posso. A não ser que me desprenda dessa vara.
- Será que dou conta?
- Claro que sim. Sou feito de palha e pano velho. Não peso quase nada.
Dorothy levanta os dois braços e tira a estranha e divertida criatura da estaca, colocando-a de pé ao seu lado.
- Você é mesmo muito leve. Precisa ter cuidado com os ventos – ressalta a menina.
- Isso é verdade. Bem, muito obrigado!
- Nem precisa agradecer.
- Agora, sinto-me outro homem – confessa o Espantalho, ajeitando o chapéu na cabeça.
- Legal.
Pausa. O boneco:
- Está perdida?
- Vou à Cidade das Esmeraldas pedir ajuda ao Grande Oz para voltar ao Kansas.
- Cidade das Esmeraldas?...  Grande Oz?
- Uai!... Você não sabe?
- Nada sei dessa vida. Não tenho cérebro, portanto não posso memorizar.
- Oh!... Sinto muito! – comove-se Dorothy.
- Quem sabe o Grande Oz também me ajuda. Possuir palha no lugar dos miolos... Ah, me faz sentir um tolo.
- Pode ser. Quer viajar comigo?
- Viajaria com um estranho?
- Você não é mais um estranho para mim.
Pausa. O Espantalho:
- Aprecio a sorte que começa a sorrir para mim. Tudo vai se acertar, claro.
- Então, vamos para a Cidade das Esmeraldas.
Totó, de início, não gosta muito da nova companhia, late sem parar em volta do boneco. Dorothy caçoa para tranquilizar o companheiro:
- Não ligue, ele está morrendo de ciúmes. Cachorro que ladra, não morde.
O Espantalho solta uma risada:
- Se quiser, pode morder. Por ser feito de palha, suporto até beliscão doído.
E depois de uma pausa:
- Advinha, Dorothy, qual a coisa do que tenho mais medo no mundo?
- Já sei!... Do fazendeiro, seu dono - responde Dorothy, rápido.
- Errou. De um fósforo aceso.
Os dois riram. De repente, Totó empina o rabo e para diante de uma moita de capim, farejando e agitando a cauda com insistência.
- Que foi, Totó? – grita Dorothy, caminhando em sua direção.
No fundo da touceira, tremendo de medo, encolhia-se um filhote de passarinho ainda mal empenado, feiozinho, e com os olhos de moleque espantado.
- Vem depressa, Espantalho. Aqui tem um passarinho perdido.
- Deve ser Bem-te-vi!...
- Pode ser. Depressa, temos de encontrar o ninho dele.
O Espantalho olha para cima e aponta um dos braços para uma árvore em frente, dizendo:
- Fica no alto dessa árvore. Passei a tarde assistindo o casal de pássaros tratar dos filhotes.
- Então, me ajude a salvar o bichinho.
Imediatamente, o Espantalho sobe na árvore, levando o filhote numa das mãos. Deixa o passarinho no ninho, desce e elogia a nova amiga:
- Tem o coração bom e a alma pura, menina! Seremos amigos para sempre.
Alegres, os três tomam o rumo da Cidade das Esmeraldas pela estrada de pedras amarelas. Dorothy estava feliz por ter encontrado um companheiro de viagem. Agora tinha alguém para conversar e trocar ideias pelo caminho, enquanto respirava as exalações suaves das flores do campo e sentia no rosto o doce afago dos sopros da manhã.
 

* FBN© - 2013 – De como Dorothy Salva um Espantalho  – Cap. 03 de O MÁGICO DE OZ – Adaptação livre do original por: Welington Almeida Pinto - Categoria: Prosa Infanto-Juvenil – Texto original em português - IIustr.: Óleo sobre tela de Portinari  – Link: http://omagicodeoz.blogspot.com.br/2005/03/de-como-dorothy-salva-um-espantalho.html

                                                                     -  03 -
 

04/IV - NOVAS AVENTURAS DE DOROTHY


*
 

Imagem: Internet 






A estrada piorava a cada passo. Os campos também iam ficando cada vez mais feios e tristes, com o capim que crescia ao abandono de uma ponta a outra. Não se via casas e, raramente, se avistava uma árvore, de onde poderia ouvir o piado de um pássaro perdido.
Os três aventureiros caminharam o dia inteiro pela paisagem agreste até que, por sorte, encontram um córrego cortando a estrada.
Surpresa, Dorothy respira aliviada, ao beber água fresca, dizendo:
- Legal esse regato, não é mesmo?... Tio Henry sempre dizia que nada havia de melhor para uma pessoa do que o sabor e o som de água correndo.
- Parabéns – aplaude o Espantalho
Depois de uma pausa, ele ri e comenta:
- A água, apesar de não ter serventia para mim, é um bem muito precioso à vida.
- Ã-hã. Gosto de descansar na beira de um regato, distraída com a correnteza da água!
Dorothy, enquanto sacava um pedaço de pão da cesta, olha para o céu e agradece a dádiva da natureza. Dá uma fatia a Totó e, por educação, oferece outra ao Espantalho. Ele recusa, dizendo não ter fome, mas gostaria de saber alguma coisa sobre si e o Kansas.
A menina faz um sim com a cabeça. E passa um bom tempo explicando ao Espantalho como é o lugar em que mora com os tios, especialmente, como um ciclone a trouxe até a Terra de Oz.
Ele admirado:
- Se lá é tão feio assim, não entendo como quer deixar esse lugar tão lindo e voltar para um lugar tão seco e cinzento como o Kansas.
- Você não compreende porque não tem cérebro. Nós, pessoas de carne e osso, jamais trocamos a nossa terra por nenhuma outra, por mais bela que seja.
O Espantalho suspira:
- É claro. Se a cabeça dos humanos fosse de palha, como a minha, provavelmente viveriam somente em lugares bonitos. É uma sorte para o Kansas que vocês têm cérebro.
Dorothy sorri. E pede:
- Que tal me contar sua história?
O boneco se ajoelha, e colhe uma florzinha silvestre:
- Minha vida é tão curta e simples como a dessa florzinha. Nada de especial.
- Mesmo assim, quero saber.
- Então, eu conto. Bem, como fui criado anteontem, o que aconteceu antes no mundo é um mistério para mim.
- Conta só o depois.
- Nasci de verdade no momento em que um fazendeiro havia terminado de desenhar meus ouvidos e perguntou ao companheiro ao seu lado:
- Que tal as orelhas?
- Parecem meio tortas – respondeu.
- Isso não tem importância. O importante é que são orelhas – gargalhou o fazendeiro.
- Se é assim, tudo bem – concordou o amigo.
- Agora vou desenhar os olhos – disse eufórico.
- Quero ver.
O Espantalho leva as mãos aos olhos, explicando:
- Então ele pintou de azul meu olho direito. Nossa, foi muito legal! Enquanto olhava tudo em volta com uma curiosidade enorme, ouvi novamente a voz do fazendeiro:
- Gostou do olho, camarada?
- Bonito – aprecia o outro.
- Vou fazer o esquerdo um pouquinho maior, que tal?
Pausa. O Espantalho, depois de um longo suspiro:
- Ah!... Quando ficou pronto meu outro olho, pude ver muito melhor. Em seguida, o fazendeiro fez o nariz e a boca. O bom mesmo foi quando juntou minha cabeça ao corpo, já com os braços e as pernas. Fiquei todo orgulhoso, sentindo que era um homem igual a todos. Daí, o proprietário das terras foi logo se gabando:
- Bom trabalho, parece mesmo gente de verdade.
- Sim – apressou seu companheiro.
- Tenho certeza que levará terror aos corvos. É como se na testa dele estivesse escrito um bilhete aos pássaros: ... Se manda, xispa, vai embora para sempre.
Pausa. Depois de outro suspiro, mais longo ainda:
- No mesmo instante, o fazendeiro colocou-me debaixo do braço, chamou o amigo, e me levou para o milharal. Nada pior poderia ter acontecido!... Realmente, era uma vida muito solitária. Ali fiquei abandonado feito trouxa, preso naquela vara de bambu, para espantar pássaros dia e noite. Era o início de minha triste vida de espantalho, sem nada para pensar.
- Tinha muitos pássaros para espantar? – pergunta Dorothy.
- Sim, principalmente corvos. Assim que me viam, fugiam para longe, achando ser criatura de verdade.
- Que legal!
- Isso até me fez sentir mais importante. Mas, lá pelas tantas, um velho corvo pousa no meu ombro e, sem demonstrar o menor medo, examinou-me da cabeça aos pés, ironizando:
- Arre!... Se aquele fazendeirozinho pensa que vai me tapear de forma tão grosseira, não vai não. Você não passa de um espantalhozinho de nada, recheado de palha velha.
Pausa. Dorothy:
- Meu Deus, o corvo ofendeu-lhe desse jeito?
- Fiquei tão chateado que nem dei resposta. O pássaro então desceu e comeu todo o milho que quis. Outros, vendo o corvo naquela folga, aproveitaram para comer milho bem na minha frente, provando que eu não era um bom espantalho. Mas, o velho corvo, antes de sair voando, acabou me dando um consolo:
- Se você tivesse cérebro, seria um homem até melhor do que muitos que existem por aí!
- Ah, isso eu tenho certeza – afirma Dorothy, acariciando o ombro do espantalho.
- Passei o dia e a noite pensando nas palavras do corvo. Então, resolvi lutar por um cérebro. Por sorte você chegou, tirou-me da estaca e, pelo jeito, poderá me ajudar.
- Claro, vamos tentar juntos – entusiasma a menina, sorrindo.
- Bom ouvir isso. Deve ser muito triste ser um eterno um bobalhão sem nada na cabeça, não é mesmo?
- Acho que sim.
Nesse instante, a garota fica de pé, dá um passo adiante, e alerta:
- Bem, já estou pronta para voltar à estrada. Vamos indo?
- Claro, claro.
Dorothy entrega a cesta ao Espantalho, chama Totó e voltam os três a caminhar novamente. Como já era tarde e o sol esticava a sombra dos viajantes para lá do meio da estrada, logo a noite caiu. No escuro, Dorothy toma o braço do Espantalho para seguir com segurança em busca de um abrigo para passar a noite.
Andam um pouco mais e deparam com uma cabana abandonada.
- Oba, aqui será nosso abrigo para passar a noite!... – adianta a menina.
- Me parece ser um bom lugar, mas devemos continuar em estado de atenção, ‘né?
- Sem dúvida, amigo. Ai, estou exausta, vamos entrar.
A cabana era simples. Dorothy entra e encontra uma cama de folhas secas e, com Totó enroscado ao lado, em pouco tempo estava dormindo. O Espantalho encosta-se a um canto do cômodo e fica esperando, pacientemente, pelo outro dia.

 

 

* FBN© - 2013 – Novas Aventuras de Dorothy – Cap. 04 de O MÁGICO DE OZ – Adaptação livre do original por: Welington Almeida Pinto - Categoria: Prosa Infanto-Juvenil – Texto original em português - IIustr.:   – Link: http://omagicodeoz.blogspot.com.br/2005/03/novas-aventuras.html

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